quarta-feira, 27 de março de 2013

Metade daquilo que sou


Ele ia-me por ao infantário e ia-me sempre buscar, nunca falhou um dia de infantário, nunca falhou um dia de primária. Na hora de almoço via o DragonBall comigo. O prato preferido dele era peixe cozido, e desde cedo passou a ser o meu, queria agradar-lhe de todas as maneiras.
Costumávamos ir passear e dar pão às gaivotas. Ele andava sempre com as mãos atrás das costas, dizia que assim tínhamos sempre a postura correcta e não deixava que as costas se entortassem.
Mesmo quando ele me chamava à atenção para os cotovelos em cima da mesa, ou para a mão que segurava a cabeça, eu gostava dele, e tentava sempre fazer tudo bem.
O cabelo dele fazia ondinhas e quando estava despenteado eu costumava ,em tom de brincadeira, perguntar se o Mar estava bravo.
Ele tinha os olhos meio verdes e meio azuis, passava horas a olhar para os olhos dele, os dois a tentar perceber se eram mais verdes ou mais azuis.
Ele já tinha dado a volta ao Mundo e lembrava-se de todos os sítios onde já tinha ido, dos restaurantes, dos hotéis, de absolutamente tudo.
Costumávamos sentar-nos no jardim, no verão, e ele dizia para eu fechar os olhos e ele fechava também depois juntos de olhos fechados viajávamos pelo Mundo todo, viajávamos de barco e de balão. Com ele já conheci o Mundo todo.
Sempre que ele tinha uma duvida ia à enciclopédia tirar a duvida, dizia sempre que tínhamos de tirar sempre as nossas duvidas a limpo.
No inicio da primavera íamos os dois arranjar o jardim para ficar bonito para o Verão.
Quando fazíamos viagens, mesmo que fosse só até Lisboa, ele nunca ligava o rádio do carro porque dizia que preferia que eu fosse a cantar.
Ensinou-me a andar de bicicleta e quando aprendi a atar o atacadores fez uma festa tão grande que parecia que tinha ganho a lotaria.
Um dia acordei com ele a dar-me festinhas e a dizer que ia a Lisboa, eu tinha 15 anos, ele deu-me um beijinho na testa como dava sempre e ... nunca mais o vi.

Nada dói mais que não o ter perto de mim, nada dói mais do que já não me lembrar da voz dele.
Lembro-me de tudo, até do cheiro do perfume dele mas não me lembro da voz dele porque infelizmente é das primeiras coisas que uma pessoa se esquece. Dava tudo o que tenho para me lembrar da voz dele, para o ouvir e guardar esse som para sempre.
Lembro-me de a minha Mãe me perguntar se não me ia despedir dele, e de eu dizer que não, de ir com os meus amigos queridos para a areia, de me sentar em frente ao Mar e de ali ficar quase quatro horas.
Nessas quase quatro horas perguntei aos meus amigos, perguntei a mim mesma e pergunto ainda hoje a quem me conseguir responder:
Como se despede de alguém que sabemos que nunca mais vamos voltar a ver? Como se despede da pessoa que mais amámos na vida? Como se despede do Avô que nos fez na pessoa que somos hoje? Como se diz Adeus à outra metade de mim?

M.




 

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